Acessibilidade | Cores: Normal - Alto Contraste | Tamanho do Texto: Diminuir - Aumentar

Conselho Regional de Psicologia Santa Catarina - 12ª Região



Rede de Articulação Psicologia e CRP-SC promovem rodas de conversa com indígenas


Rede de Articulação Psicologia e CRP-SC promovem rodas de conversa com indígenas
2018-07-10

Eventos aconteceram no sábado na Terra Indígena Ibirama Laklãnõ na cidade de José Boiteux  (7) e domingo (8) em Blumenau

O Conselho Regional de Psicologia de Santa Catarina (CRP-SC) juntamente com a Rede de Articulação Psicologia, Povos Indígenas, quilombolas, de terreiro, tradicionais e em luta por território, promoveram no último final de semana, duas rodas de conversas com povos Indígenas. No sábado (8), a comitiva foi recebida na Terra Indígena Ibirama Laklãnõ na cidade de José Boiteux pelos caciques do Povo Laklãnõ Xokleng. No domingo (8) foi a vez de conversar com indígenas que vivem na cidade de Blumenau.

Este foi o primeiro encontro realizado pela a Rede de Articulação Psicologia Povos Indígenas, quilombolas, de terreiro, tradicionais e em luta por território de Santa Catarina. Durante a roda, as(os) psicólogas(os) apresentaram a diversidade da atuação da Psicologia, rebatendo o único conhecimento clínico acerca da profissão por parte dos indígenas. "Tudo que tem a ver com um conceito de saúde mental, tem a ver com a Psicologia. E temos ainda, um código de ética, que define que para atuarmos é necessário que se conheça a realidade histórica, social e cultural da população", informou a psicóloga e assistente técnica do CRP-SC, Iramaia Ranai Gallerani. 

Após a apresentação da Psicologia Social feita pelas(os) psicólogas(os) presentes, as lideranças trouxeram algumas demandas para a categoria. Questões como a escuta clínica, dificuldades enfrentadas com a juventude na educação e sequência de estudos, além de dificuldades da economia e desenvolvimento social. "Acho interessante vocês estarem fazendo isso aqui, através da nossa fala, querer ouvir nossa história, nossa luta na parte social e saber o que estamos passando, pois, existem coisas pelas quais lutamos há muitos anos", destacou a liderança Aniel Priprá que citou questões como os impactos socioambientais da barragem,questões latifundiárias e de assistência social.

O convênio feito com a Secretaria de Desenvolvimento Regional do Governo Catarinense e Federal, em 1981, e a construção da barragem de José Boiteux interferiu diretamente o viver indígena.  "Antes disso, a comunidade indígena vivia em um lado do rio, toda unida. Era apenas uma aldeia. A barragem fez com que a comunidade geograficamente se separasse, e hoje temos 8 aldeias, muito distantes. Isso foi um prejuízo na questão psicológica do indígena, pois impactou em toda nossa cultura e tradição", disse. 

Aniel ainda destaca que o Governo Federal concluiu uma parte da compensação ambiental do projeto no que tange à construção de casas e escolas na comunidade, porém, questões como o Balanço de impactos Socioambientais da obra, nunca foram feitos. "Entra e sai cacique e isso não é resolvido. A comunidade sofre os reflexos psicológicos da barragem que afetou diretamente nossas vidas, pois, hoje, o rio que era nossa casa, quase não existe mais", argumentou.

Durante a roda, a psicóloga e mestre em Psicologia, Iclicia Viana, citou o exemplo do relatório de estudo técnico específico, que visa a reparação coletiva, em casos de violações sociais. Questões da saúde indígena e psicossociais foram abordadas também pela indígena e enfermeira da aldeia, Joseane Inácio, que frisou que ainda falta uma educação sobre a importância da saúde física e mental para o indígena. 

O cacique Geomar Covi Crendo falou sobre questões latifundiárias que são debatidas desde 1997 e as dificuldades enfrentadas com a colonização que loteou terras Indígenas Laklãnõ . "Atualmente, temos 14 mil hectares, mas sabemos que temos direito a 38 mil. Precisamos de um levantamento antropológico de toda terra indígena e que as pessoas saibam que só queremos o que é nosso  por direito". Ele salientou que o pedido está parado no Supremo Tribunal Federal - STF desde 2002.

As lideranças afirmaram que muitos índios saem das aldeias em busca de uma vida melhor, porque na região, não há formas de estudo e trabalho. "A necessidade leva eles daqui", ressaltou Crendo. Na ocasião, duas indígenas que atualmente moram em Blumenau participavam da roda e agregaram ao grupo trazendo um pouco dos preconceitos enfrentados tanto na cidade, quanto ao tentar uma aproximação ou retorno à aldeia. " Não somos mais indígenas aqui, e na cidade, também não somos de lá. Gostaríamos que isso mudasse, precisamos falar sobre esse novo índio", destacou a indígena Laklãnõ Xokleng e professora, Maria Elis Nunc-nfôonro.

No encerramento, o cacique Priprá pediu apoio de entidades para a produção do Balanço de impactos Socioambiental. "Precisamos de mais parcerias para que tenhamos este documento para dar sequência em Brasília. Sabemos que a barragem protege um milhão e sseissentas pessoas aqui de baixo, e que ela faz um trabalho muito importante para a sociedade, então, precisamos que o governo olhe para a parte de cima e faça cumprir os direitos iguais, porque, querendo ou não, nós estamos protegendo o Alto Vale: e quem vai nos proteger?", questionou.

Roda de conversa em Blumenau

No domingo à tarde, uma segunda roda de conversa foi realizada com indígenas em contexto urbano de Blumenau e região. Durante encontro, o psicólogo, conselheiro do CRP-SC e membro da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia, Ematuir Teles de Sousa, explicou que uma pesquisa foi feita com psicólogas(os) que atuam em Políticas Públicas para avaliar o interesse em participar da  rede  de articulação. "Nossa intenção é qualificar a categoria para atender e compreender a realidade do povo indígena", frisou.

A indígena Laklãnõ Xokleng, Maria Nunc-nfôonro, que nasceu na aldeia contou sobre sua infância na aldeia e a importância do rio para seu povo. "A água para o índio é essencial para nossa vida. Tem que ter um rio pra nós nos banharmos, nadarmos, ter a nossa água. Isso está no nosso  sangue", afirmou. Maria ainda apontou as dificuldades na área da saúde e estudos de sua época e as conquistas atuais indígenas neste assunto. Ela saiu da aldeia aos 16 anos pela necessidade de trabalhar, mas sempre nutrindo um desejo de retorno. "Sempre me identifiquei  como indígena e lutei por essa causa, e tive o desejo de voltar pra minha terra. E  hoje minha alma está lavada porque em breve voltarei a morar lá, mas esse percurso foi muito difícil", disse ela, apontando o preconceito sofrido pelos indígenas em contexto urbano.

Ao abordar a barragem norte, a indígena adverte que a obra "causou um impacto gigantesco na nossa vida cotidiana, cultural e no nosso psicológico. Eu falo por todos, porque é um dano irreparável pra nós. Antes, nós morávamos em um lugar que era um paraíso, tínhamos tudo, um rio, terra pra plantar. Hoje, nem se compara". A irmã mais nova de Maria, Vanderléia Nunc-nfôonro também relata que saiu da aldeia para estudar e trabalhar. "Essa minha vinda e vivência na cidade sempre foi pautada no estudo e trabalho, mas o pensamento é sempre no retorno pra aldeia, porque lá é nossa casa. Estamos nos profissionalizando para levar algo que agregue à família indígena", destacou.

A indígena e estudante de direito, Jussara Inácio, afirmou que o povo indígena na cidade se sente marginalizado pela sociedade, e principalmente nas políticas públicas, destacando que atualmente 40% dos indígenas moram em contexto urbanizado, e que hoje, um novo preconceito surge por parte do índio aldeado. 

"Nós, índios, sempre enfrentamos preconceitos. Já temos toda a problemática cultural enfrentada no município. E o mais triste é saber que ao voltar pra minha aldeia, quem deveria nos acolher, em muitos casos, nos manda embora, apontando que não pertencemos mais àquele lugar", comentou. A indígena Neia Simone da Silva, destacou as mais variadas dificuldades de se fazer valer os direitos indígenas para aqueles que residem na cidade, principalmente no atendimento do SUS. "Sempre quando vamos no posto de saúde pedir uma vacina, eles dizem que temos que nos vacinar na aldeia, não ali, mas eu sou uma munícipe como qualquer outro, independente de ser indígena. O Brasil é minha aldeia", pontuou.

Sabrina Scarabelot, psicóloga que trabalha com a causa indígena desde 2008 e atua na Secretaria Especial de Saúde Indígena - SESAI, explicou que a Sesai  é um subsistema do Sistema Único de Saúde -SUS, e que atua somente nas aldeias. "Fora das aldeias, o atendimento aos  indígenas deve ser fornecido pelo SUS", ressaltou.

A professora Maria Elis reforça que eles sempre serão índios. "Somos uma geração que está longe da aldeia pelos mais diversos  fatores. E hoje, também queremos lutar pelos direitos indígenas, independente de onde estivermos, porque somos índios aqui ou lá. O sangue indígena permanece correndo em nossas  veias, independente do local onde habitamos".

 

Fotos


Voltar

Faça seu comentário