O Conselho Regional de Psicologia de Santa Catarina – 12ª Região vem a público manifestar-se contrário à proposta de mudança da “Política Nacional de Saúde Mental” pautada para a reunião da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) nesta quinta-feira (14). As alterações que ela propõe na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) pretendem injetar recursos em hospitais psiquiátricos, em comunidades terapêuticas, e no atendimento ambulatorial, privilegiando uma lógica manicomial em detrimento do modelo de atendimento hoje existente, pautado em uma rede e no atendimento multiprofissional.
Entendemos que a proposta do Ministério da Saúde contém pontos que desfiguram a política de saúde mental e afrontam as diretrizes da política de desinstitucionalização psiquiátrica, prevista na Lei 10.216/2001, além de violar as determinações legais no que se refere à atenção e cuidado de pessoas com transtorno mental estabelecidas na Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência e na Lei Brasileira de Inclusão.
Historicamente, o modelo asilar é marcado pelos interesses econômicos da indústria de produção de doenças e da indústria farmacêutica. O Ministério da Saúde, com este redirecionamento da política passará a investir na manutenção de instituições excludentes e altamente lucrativas decorrentes da agudização de situações crônicas de sofrimento psíquico. Este modelo de atendimento que segrega do convívio social irá gerar mais sofrimento e violações de direitos, tortura e maus-tratos como já presenciado em outros momentos históricos. Frente a isso, manifestamos contrários à proposta que redireciona recursos da RAPS aos hospitais psiquiátricos.
Nessa mesma direção, manifestamos contrários a inclusão das comunidades terapêuticas na RAPS, bem como destinação de financiamento público. Estas instituições são baseadas no modelo asilar, que atuam a partir do isolamento de usuários de drogas e a abstinência forçada. Recorrentemente são objetos de denúncia do Ministério Público e de Conselhos Profissionais e de Direitos Humanos, as Comunidades Terapêuticas submetem seus internos a trabalho escravo sob a insígnia de laborterapia, maus tratos e punição, contenção e salas de isolamento, alimentação insalubre, não acesso aos meios de comunicação, violação de correspondências, afirmando um cunho altamente moral e religioso.
Além destes pontos, outros se mostram como graves ataques que descaracterizam o modelo de atenção psicossocial. Entre eles, destacamos a retirada de recursos dos Residênciais Terapêuticos, serviços essenciais para desinstitucionalização e o fim da permanência do valor da Autorização De Internação Hospitalares (AIHs) nos municípios referentes das internações de moradores psiquiátricos após sua saída dos hospitais. Consequentemente, desestimulará os municípios a promoverem a retirada de moradores de hospitais. O Estado de Santa Catarina, por exemplo, até hoje tem dificuldades em promover a desinstitucionalização. Um dos fatores relacionados é a não existência de CAPS III na região da Grande Florianópolis e o baixo número de residenciais terapêuticos e centros de convivência em nosso território.
É contraditório pensar que o corte de recursos e a precarização dos atuais serviços de atendimento a pessoa em sofrimento psíquico levará uma melhora da política de atenção psicossocial brasileira. Em nota, a Associação Brasileira de Psiquiatria faz críticas de forma irresponsável à política de atenção psicossocial, pois responsabiliza o atual modelo pelo aumento dos índices de suicídio, da lotação das emergências e de pessoas em situação de rua. É evidente que este posicionamento não leva em consideração o cenário econômico, social e político brasileiro que tem gerado desigualdades e sofrimento em sua população. Além disso, se já temos um sistema que é subfinanciado, retirar recursos para destinar a outros serviços que historicamente tem se mostrado violadores de direitos, mostra mais uma vez os interesses mercadológicos em torno do adoecimento e do sofrimento psíquico crônico.
Vale ressaltar que em 2013 e 2014 foi realizado um mapeamento da situação da RAPS pela Coordenação de Saúde Mental de SC e ficou constatado um grande déficit relacionado aos serviços que visam a desinstitucionalização. O número de CAPS ainda não é correspondente ao que prevê a legislação. Serviços como Residenciais Terapêuticos, Unidades de Acolhimento e Centros de Convivência, por exemplo, não têm sido implantados. Esta e uma série de outras necessidades são apontadas conforme Parecer Técnico Nº 08/2014 do Ministério da Saúde a respeito do Plano de Ação da RAPS do Estado de Santa Catarina.
O Encontro de 30 anos de luta por uma sociedade sem manicômios, realizado, nos dias 8 e 9 de dezembro de 2017, em Bauru (SP), aprovou nova carta na qual reafirma que uma sociedade sem manicômios é uma sociedade democrática, uma sociedade que reconhece a legitimidade incondicional do outro como o fundamento da liberdade para todos e cada um.
Diante da atual conjuntura de avanço do conservadorismo e de redução de recursos para as políticas públicas sociais, com violento ataque ao Sistema Único de Saúde (SUS), é preciso reforçar a desconstrução do modelo asilar e combater a cada dia o manicômio em suas várias formas, do hospital psiquiátrico à comunidade terapêutica, incluindo o manicômio judiciário.
Florianópolis, 13 de dezembro de 2017.
PROPOSTA DE ALTERAÇÃO NA POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE MENTAL
CFP repudia mudanças na política de saúde mental