O Conselho Regional de Psicologia de Santa Catarina (CRP-SC) faz coro às instituições, entidades e associações que se posicionaram contra a iniciativa que desqualifica a história da luta antimanicomial e os avanços na reforma psiquiátrica e na atenção à saúde mental.
Recentemente, diante da publicação da Nota Técnica 11/2019 (CGMAD/DAPES/SAS/MS), chamada de “Esclarecimentos sobre as mudanças na Política Nacional de Saúde Mental”, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) manifestou repúdio ao conteúdo, considerando que se trata de um retrocesso nos passos construídos rumo à reforma psiquiátrica no Brasil. A nova posição recoloca o hospital psiquiátrico e os serviços de internação como lugar central na atenção à saúde mental.
De acordo com Elisa Ferreira, conselheira presidente da Comissão de Orientação e Fiscalização (COF) e membro do Eixo Saúde do CRP-SC, as medidas de redirecionamento foram tomadas sem o diálogo com a sociedade. “Especialmente com usuárias(os) e familiares que utilizam o serviço em saúde mental na rede SUS”, afirma.
Segundo ela, a proposta de serviço é pautada em um modelo biomédico e hospitalocêntrico reducionista, que ignora as capacidades e potencialidades da rede e das equipes multiprofissionais de atendimento. “Uma proposta que, descabidamente, incentiva a aquisição e usos de equipamentos de eletroconvulsoterapia, recurso que deve ser utilizado diante de situações bem específicas e com efeitos colaterais severos”, argumenta.
Acompanhe abaixo a nota do CFP:
A nota apresenta, entre outras questões que desconstroem a política de saúde mental, a indicação de ampliação de leitos em hospitais psiquiátricos e comunidades terapêuticas, dentro da Rede de Atenção Psicossocial (RAPs), incentivando assim o retorno à lógica manicomial. O Ministério da Saúde também passa a financiar a compra de aparelhos de eletroconvulsoterapia.
A representante do CFP no Conselho Nacional de Saúde (CNS), conselheira Marisa Helena Alves, explica que a medida rompe com a política de desisntitucionalização e incentiva a hospitalização e o tratamento desumanizado. Ela ressalta a gravidade da desconstrução da Rede de Atenção Psicossocial (RAPs), com a inclusão dos hospitais psiquiátricos entre os mecanismos.
“Consideramos um retrocesso a inclusão dos hospitais psiquiátricos nas RAPs. Com a Reforma Psiquiátrica, o paciente psiquiátrico passava a ter essa atenção fora dos muros do manicômio e consequentemente em liberdade, podendo ter todo o seu direito de cidadão de ir e vir preservado”, explica Marisa.
“Este modelo coloca o hospital no centro do cuidado em saúde mental, priva o sujeito da liberdade, dentro de um sistema que não favorece a recuperação, mas simplesmente o isolamento”, conclui.
São diretrizes da Rede de Atenção Psicossocial: o respeito aos direitos humanos, garantindo a autonomia, a liberdade e o exercício da cidadania; Promoção da equidade, reconhecendo os determinantes sociais da saúde; Garantia do acesso e da qualidade dos serviços, ofertando cuidado integral e assistência multiprofissional, sob a lógica interdisciplinar; Ênfase em serviços de base territorial e comunitária, diversificando as estratégias de cuidado, com participação e controle social dos usuários e de seus familiares.
*Carta do Encontro de Bauru*
Outro marco na luta antimanicomial é o Encontro de Bauru, que completou 30 anos em 2017.
Em dezembro de 1987, trabalhadores da saúde mental reunidos na cidade de Bauru (SP) redigiram o manifesto que marca o início da luta antimanicomial no Brasil e representa um marco no combate ao estigma e à exclusão de pessoas em sofrimento psíquico grave. Com o lema “Por uma sociedade sem manicômios”, o congresso discutiu as formas de cuidado com os que apresentam sofrimento mental grave e representou um marco histórico do Movimento da Luta Antimanicomial, inaugurando nova trajetória da Reforma Psiquiátrica brasileira.
Para marcar os 30 anos do Encontro, Bauru sediou outro congresso em dezembro de 2017, onde aprovou uma nova carta, na qual reafirma que uma sociedade sem manicômios é uma sociedade democrática, uma sociedade que reconhece a legitimidade incondicional do outro como o fundamento da liberdade para todos e cada um.
Diante da atual conjuntura de avanço do conservadorismo e de redução de recursos para as políticas públicas sociais, com violento ataque ao Sistema Único de Saúde (SUS), é preciso reforçar a desconstrução do modelo asilar e combater a cada dia o manicômio em suas várias formas, do hospital psiquiátrico à comunidade terapêutica, incluindo o manicômio judiciário.